Mais uma de mendigos...


Sexta-feira. Noite.

No som, Nina Simone com todo seu explendor. Após falar com uma amiga ao telefone, escutando e liberando algumas dores, lembro-me dos mendigos. É, parece que é sobre eles o assunto desse blog (que era pra ser comunitário), mas juro que nem é... Justifico-me dizendo que trabalho a alguns metros da "zona" do centro do Rio, e que lá é um antro de putas, mendigos e tipos esquisitos.

A verdade é que além de tudo isso, ando um tanto melancólica e aproveito isso para observar. Quando me ponho a almoçar sozinha aproveito para analizar todo movimento e a falta de agitação nos mendigos me fascina, admito. Todo mundo é diferente, isso é óbvio. Mas essas diferenças nos mendigos não é sonora, não é explicita como o corpo das meretrizes.

E a melancolia que eles exalam... ah! é única, me perdôem. A maioria das pessoas sequer os encara, eu sei. Também sou assim na maior parte do tempo. Mas depois de observá-los tanto, sinto-me como uma companheira de jornada. É a mesma sensação que tenho em relação às pessoas que pegam ônibus comigo e que eventualemente encontro andando na rua. Quase dou um aceno esperando um sorriso em troca.

Eu comecei esse post não para dizer o que sinto em relação às pessoas na rua... Já estou me sentindo o ser mais esquisito por escrever minhas percepções - que normalmente só divido em tom irônico para passarem despercebidas. Escrevo agora para falar sobre o mendigo novo no pedaço. O mendigo das intervenções urbanas.

Eu já o conhecia de outras freguesias, sempre o via pelo catete com sua hastes de bandeirinhas feitas com tiras de sacos plásticos, mas agora ele migrou para bem perto de mim. Ele tem um pé bem ferido, provavelmente vai perder a perna inteira dado o estado putrificado em que se encontra. Mas mesmo assim ele anda. Mesmo assim ele procura mais pedaços de madeira, prende vários entre si com arame e amarra em sua ponta as tiras de saco plástico.

Depois ele busca um lugar interessante, deixa o seu mastro com suas bandeirolas e sai em busca de outras. Ele deixa sua marca que fica bailando ao vento, mas quase ninguém repara. Quase ninguém nota a beleza que esse gesto tem. Só eu, o vento e mais alguns afortunados. Eu sei que algumas pessoas vão pensar que ele é simplesmente um maluco manco que prende porcarias na rua e suja tudo. E que eu tinha era que ajudar o pobre coitado com algum tipo de auxílio ao invés de ficar só olhando seu sofrimento.

Mas como vou intervir? É válido interfirir na obra do artista? Eu o vejo como um Salvador Dalí, louco e poderoso. Um Pablo Neruda, insistente e apaixonado. Ele é muito mais moderno do que os jovens que colam stickers nas ruas. Ele tem uma linguagem própria, acessível a qualquer um - desde à criança ao velho. E só faz referência a si mesmo.

Melancólico, mas só seu.



(E Nina nos canta:
Now I know it'll make you feel sad
And make you feel so bad
They say you don't treat me me like you should
They got ways to make you feels no good
I guess they got no way to know
I've had my eyes wide open from the start
And man you never lied to me
The part of you that they'll never see
Is the part you've shown to me)

*Incrível como a música certa pode se encaixar tão bem em qualquer assunto*

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